Frutos de uma péssima memória.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Ontem eu acordei assim: meio triste, meio sem jeito, meio sem esperança, meio de coração quebrado. Ignorei o café, deixei de lado a tevê, passei reto por todas as coisas que costumava fazer pela manhã e fui para o jardim. Eu precisava mesmo ficar exposta ao sol, eu precisava senti-lo aquecer minha alma, eu precisava de luz.
Deitei-me então, como uma criança que deita na grama. Alguns minutos se passaram junto com lembranças vagas dos acontecimentos rotineiros, quando de repente uma surpresa: Uma borboleta pousou sobre a minha mão. Você consegue imaginar o quanto isso é raro pra mim? Eu esqueci todo o resto.
Esqueci o peso dos anos passados que se apoiavam em meus ombros, esqueci aquele medo de errar que era a real causa dos meus erros, esqueci a constante tempestade interna que eu vivenciava. Eu esqueci. Pela primeira vez na vida uma borboleta estava ali a me encantar, descansando em minha mão como se houvesse vindo para me fazer companhia.
Como era linda!
Como era frágil!
Como conseguia me trazer força!
Eu precisava cuidar dela tanto quanto ela aparentava cuidar de mim naquele instante. Eu havia, por um breve período, conseguido esquecer meus medos.
O único problema foi esquecer demais.
Esqueci que borboletas também voam. Esqueci que eu não podia lhe privar de sua liberdade. Esqueci que em algum momento ela voaria pra longe e eu não seria capaz de prendê-la.
Ela se foi.
Desde então o jardim nunca mais foi o mesmo. Toda manhã que acordo daquele jeito, corro pra lá, deito na grama, tomo um sol... E ela continua a voar por aí.

Gotas no vidro.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Éramos eu, um ônibus cheio de estranhos e vários sonhos escorrendo como as gotas de chuva que escorriam pelo vidro. Chovia lá fora, as pessoas passavam depressa, como se toda a vida se resumisse a chegar mais cedo no trabalho, ou não perder o dia de faculdade. Mas e ali, dentro daqueles corações? O que será que existia? Talvez houvessem planos frustrados e amores deixados de lado. Talvez a rotina fosse só fruto de corações covardes que se recusaram a lutar pela única coisa que daria às suas vidas algum sentido real.
Meu corpo estava dentro daquele ônibus, mas meu coração há tempos já permanecia lá fora, longe...
A vida não é justa e ela não será justa até que o amor deixe de ser algo que só dá certo em filmes, então eu continuo pensando no nosso clichê tão bonito. Às vezes me pego vendo vestidos de noiva nas vitrines das lojas e acabo por achando graça daquele cisco de esperança que me alimenta dia após dia. As vezes eu olho as crianças correndo no parque, eu vejo os pais carregando os filhos nos ombros, eu vejo casais apaixonados sorrindo, mas eu sou só mais uma estranha no ônibus. Só mais uma estranha que chora silenciosamente sem nenhum motivo conhecido. Sem nenhuma razão que seja válida para os outros. Eu sou só mais uma sombra que observa a água na janela e que se atrevera a sonhar. Só mais alguém que se alimenta de um passado tão cheio de brilho e um futuro quase invisível. Só mais uma.

Até logo.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Morte e vida estão completamente conectadas. Há aqueles que já partiram... talvez tenham encontrado vida. E há aqueles que sobrevivem, mas estão mortos. Nunca consegui entender essa loucura aí que chamam de "vida". V-I-D-A... Quatro letras, mas de uma complexidade incontável. Eu costumava mergulhar contra correntezas de rios gélidos, por vezes me feriram a pele. A dor é fria e quanto mais ela dura, mais ela te entorpece. À todo o instante estive em uma prisão diferente. Cárcere maldito! Mas é assim mesmo: Ninguém sai da "vida" completamente inteiro. Sempre tem algo quebrado, impossível de consertar. Talvez você não entenda, talvez ninguém entenda, é incompreensível até pra mim! Não te condeno por não saber compreender. Não me condenes por querer descobrir outra forma de vida, porque talvez em algum lugar além desse céu azul, exista vida. O céu é longe, intocável. Alto demais para que a dor possa chegar até lá. Eu sei que percorrendo as estradas do paraíso, estarei em segurança. Hoje resolvi dar lugar para as minhas asas aparecerem. Hoje deixo a prisão, pronta para embalar na brisa fresca e serenamente, voar. Se perguntarem por mim, apenas diga que estou voando por aí, diga que fiz das nuvens meu lugar de descanso. Diga que estarei sonhando pra sempre... Saiba que estou deixando toda a minha história nas mãos daqueles que por toda essa jornada, deram-me o presente mais nobre: amor. Se possível, transformem-a em seus sorrisos. Perdoe-me por não ter encontrado a melhor forma de cuidar, a melhor forma de estar ao lado, a melhor forma de ser, mas eu juro que por todo o tempo, tentei ser o melhor que pude. Prometo que nunca mais te farei sofrer por ver o meu choro, não te farei mais chorar pelos meus erros. Prometo. Não poderei te acalmar, não poderei te abraçar, não poderei te ouvir. Mas quando você sentir a chuva tocar seu rosto, quando o sol aquecer-lhe corpo, lembre-se de que um dia eu estive aí, bem ao seu lado. Guarde todas as lembranças, não deixe que as roubem de ti. Um dia voaremos juntos, não se esqueça. Mas por hora, cuide do que confiei em suas mãos.

Mãe;

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Sinto falta de poder correr pro teu colo. Não há mais ninguém aqui além de mim. Não há para onde correr, não há lugar para onde eu possa fugir. É a velha história dos pensamentos repetitivos de pessoas dizendo: "Encare os problemas de frente." Que problemas? É só confusão e cansaço mental. Talvez realmente exista algum problema, mas não consigo encontrar agora. O som da chuva lá fora me faz querer ver as gotas na janela. Está confortável aqui, cobertores são sempre o melhor abrigo quando se quer ir embora. É bom sentir-se abrigado no frio, deve ser essa a sensação que eu tinha enquanto dormia no teu útero. É legal andar na rua e ver as pessoas andando quando faz muito frio, enquanto elas conversam, sai fumaça da boca delas. Você lembra, mãe? Eu sempre ria disso. Quando eu era pequena gostava de fazer isso, era a minha forma de ver se estava realmente frio. Eu abria a boca, se saísse fumaça estava frio. Eu ficava correndo pela casa usando meias e até esquecia que existiam sapatos. Eu odiava tênis, sandálias ou sapatos, gostava de me sentir livre, sempre gostei. Aí ficava andando de meias... Até você gritar: "TIRA ESSES PÉS DO CHÃO GELADO!" Se fosse agora eu usaria aquela frase básica que te deixaria irritada: "Mas se eu tirar os pés do chão, vou cair!" Ahh mãe! Herdei a sua ironia. Era só correr pro sofá, melhor ficar presa no sofá por horas assistindo o desenho do elefantinho do que ter que usar tênis. Argh! Sensação maldita de que meus pés estavam amarrados. Será que toda criança dos anos 90 usou allstar? É tão típico, todo mundo tinha um. Na escolinha, as mães amarravam o cadarço em volta do tornozelo das crianças, era engraçado. Eu não entendia o motivo disso, acho que era pro tênis não sair do pé, já que criança gosta de fazer estrepolias. Eu sempre gostei - sempre precisei -  ser livre, por isso eu ficava observando os passarinhos no jardim quando tinha quatro anos. Mãe, você se lembra quando eu olhava pra gaiola do passarinho que tinha em casa e ficava triste? É porque era ruim imaginar os outros pássaros voando livres pelo céu, as vezes vários juntos, e o pobre do passarinho da gaiola estava ali, sozinho, preso. Eu tinha só quatro anos, todo o meu mundo era limitado à uma casa, um quintal, uma árvore com balanço e um pequeno jardim. E agora, olha pra mim! As coisas começaram a mudar. O meu rosto no espelho não é mais o mesmo, minha maior alegria não é mais ir até o parque e conversar com outras crianças, porque hoje as crianças cresceram e elas aprenderam a ser indiferentes. Eu aprendi a sentir... na verdade, eu desaprendi. Hoje eu tenho motivos maiores pra chorar do que quando você me dava bronca por espalhar brinquedos pela casa ou por brincar com as suas roupas. Hoje você já não pode me pegar no colo quando eu sinto aquela dor presa na garganta... porque as vezes eu mal consigo falar sobre os motivos. Por que a gente fica tão bobo quando cresce, mãe? Eu sempre te ouvi dizer: "As pessoas crescem e ficam bobas." Você tinha razão. E eu só percebo que o tempo passou quando eu vejo o frio me trazer lembranças, e essas lembranças me trazerem lágrimas. A gente cria asas com o tempo, tenta voar, e um dia as asas quebram. A graça se perde também.
Mãe, quando eu te olhar e você ver tristeza em mim, não me pergunte o motivo, porque eu não vou te preocupar com as minhas dores. Apenas me abrace. Me faça sentir segura de novo. Apenas diga que está tudo bem. No fim, vai ficar tudo bem mesmo.
É estranho como algumas vezes deixei as minhas alegrias escorrerem pelos vãos dos meus dedos. É assim, tudo está bem, você está em segurança, forte, e resolve sair pra respirar ares diferentes. Resolve dar uma volta pra ver como as coisas ficam, fica desapercebido, porque se acha "grandinho o bastante" pra andar por si. Fica distraído. Então, testando os seus limites você se vê longe do seu ponto de paz... tentando ver até onde consegue ir sozinho que descobre: não consegue dar mais do que alguns passos sem cair, mas vai muito longe em direção a abismos. É o clichê de sempre. Distração, dor, explosão, angustia, culpa. Exatamente na sequência. Mas quando olhamos pra trás e vemos quão distantes estamos, bate aquela vontade desesperada de correr a estrada toda de volta, de recuperar os sorrisos que ficaram perdidos pelo caminho. De buscar por aquela paz que te faz acreditar que é capaz de flutuar. Dá vontade de pegar uma agulha e costurar tudo o que foi rasgado no teu interior, de limpar o sangue, de colar o que foi quebrado.
Difícil é perceber que não é tão fácil assim. Você vai voltar pelo caminho cheio de marcas, cansado e com sede. Vai chorar, e como vai! Mas devagar, chega lá. E quando consegue, aprende a não deixar as coisas escaparem de forma tão fácil. Dói, machuca, mas sara.

À seco.

Inverno, outra vez. Agora, trago junto a mim algumas malas cheias de lembranças das estações passadas, trago comigo as angustias daquela primavera sem flores, daquele verão desbotado e as ironias do outono agridoce. Sensação de ser turista em meu próprio mundo, é como cravar os pés na neve e sentir o vento gelado corroer os ossos. A culpa faz isso também, ela corrói. Corrói a pele, os ossos, a alma. Mas sobrevivi, isso é o que conta. As pessoas sempre olham meio torto, meio estranho, mas e daí? Vou continuar fingindo que não me importo. Que a indiferença não me fere. Tem sido assim a minha relação com a culpa. Mas tudo bem, continuo engolindo-a com aquele mesmo gosto amargo de fel.

Manual de um soldado.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

"Hoje escrevo apenas para deixar registrado algumas coisas das batalhas que sobrevivi. Acreditei por vezes que não sobreviveria, mas agora, necessito ajudar meus companheiros de combate compartilhando detalhes cruciais. As vezes uma guerra leva algumas semanas pra acabar. As vezes, dura meses. Talvez uma guerra dure uns dois dias e sequer seja uma guerra, provavelmente só um mal entendido. Existem guerras que parecem eternas. Tem guerras que levam segundos pra começar e anos pra acabar. Você sabe como começa lutar, mas não tem a mínima ideia de como chegará ao fim do combate. Todavia, não se pode deixar de enfrentar uma batalha por medo, covardia ou insegurança; recuar é deixar-se ser derrotado antes mesmo de tentar! Quando entrar em uma guerra, entre acreditando na vitória. Monte estratégias, prepare suas armas, tenha paciência. Calcule e saiba usar o tempo. Saiba investir seus pensamentos, e o mais importante: Prepare-se para QUALQUER coisa. Não importa o quão favorável ao inimigo pareça a batalha - não deixe de acreditar que você é capaz de vencê-lo. - Morra lutando, se preciso, mas em hipótese alguma entregue os pontos. É questão de honra, é a forma vitoriosa de pensar."

Um bilhete pra você.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

E depois de anos o comum é o esquecimento aparecer, os detalhes sumirem e as cores desbotarem; o comum é que com o tempo as lembranças tornem-se apenas memórias vagas na mente como aquela carta que te escrevi e a chuva destruiu. Então, por que nada mudou? É engraçado como meu coração ainda pulsa da mesma forma estranha quando ouço sua voz. Assim, meio desritmado, meio sem jeito, sem sequer entender algo.
E quem é que se dará ao trabalho de tentar explicar? É bem mais cômodo usar o bom e velho "deixa pra lá". Deixa pra lá essa infelicidade quase invisível; deixa pra lá o desgaste mental que o seu deixa-pra-lá plantou em mim, o importante é sobreviver. É, esquece.

Mas caso resolva aparecer, eu continuo morando na casa salmão de portão branco, só pra caso você queira aparecer.