Sob a Árvore

sexta-feira, 29 de junho de 2012


Oi, primeiro me perdoe, demorei muito para escrever. Admito que fiquei chocada quando descobri que era você quem estava por trás de tudo isso. Sempre imaginei que um dia pudesse a vir fazer isso mesmo, mas nunca esperei que fosse fazer de verdade. Na primeira carta achei que reconhecia aquele estilo de escrever, aquela forma de descrição... quis acreditar que não era.

Quando a segunda carta chegou eu já tinha me dado conta de que eras tu e me afastei, pedi para ser tirada do caso. Soube que pensou o contrario. Não. Dadas aquelas circustâncias eu não podia permanecer investigando. Disse, ao fim de todas as cartas que gostaria de me ver novamente na investigação. Por que se eu já sabia quem era?

A terceira carta recebi diretamente das mãos da menina. Ao terminar de ler sorri de canto e afaguei o rosto de Emilly. Assim como estava feliz em vê-la viva e, relativamente, bem, eu me preocupei com o que faria. Disse aos policiais para correrem, despachei ao mesmo tempo uma ambulância para o lugar que jovem ruiva descrevera. Por sorte lhe acharam vivo. Quando o rádio deu a notícia da sua captura me joguei ao sofá que há dentro do bureau observando o interrogatório dela até a chegada de seus pais... os olhos são lindos como sua descrição dizia que eram.

Depois que tive a certeza que ficaria preso, depois do julgamento, muito provavelmente em um hospital psiquiatrico recebi duas semanas de folga. Sabia disso também, não é? Pois deixou para a carta final no último dia, quando eu estaria voltando. Volto a pedir perdão, pois outros detetives acabaram lendo suas derradeiras linhas. Quando a noticia chegou à mim faziam algumas horas do ocorrido. Chorei dias seguidos depois de sua cremação. Coloquei as cinzas sobre a mesa de jantar e conversamos por horas... ao fim disso fui até aquela nossa montanha - o dia já amanhecia -, abri a urna vendo toda a cinza sendo levada pelo vento.

Agora estava livre. E eu, tranquila por estar livre. Plantei lírios aqui ao lado da árvore, sei que eram suas flores preferidas, deixo, junto às flores essa carta, sei que, onde quer que esteja, irá lê-la. Obrigada por tudo e espero que, um dia, Deus tenha a bondade e a piedade para que nos reencontremos novamente. Também lhe amo pai, obrigada por tudo.

Com amor, Margery.

Um bilhete colocado no meio do livro pra traduzir a saudade

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Que ligação louca é essa que a gente tem! Você consegue explicar? Parece ser de espirito, que a propósito, também tem sofrido com essa coisa dolorida, esse sentimento que eu não conheço bem...
Sabe, guri, um dia desses eu sonhei com você outra vez. O mesmo sonho: você me carregando naquela montanha, sorrindo pra mim. Que sorriso! Te encontrei, mas achei melhor não dizer nada. Achei mais conveniente ficar em silêncio contemplando a paz infinita do seu olhar. Preferi ouvir a sua voz em todos os timbres e tons, gravando cada um deles em mim. Você não faz ideia do quanto faz falta ter você aqui. Você não faz ideia do quanto eu preciso dos teus olhos de sol.
Não sabes? Tens olhos de sol. É o teu dom único de manter meu coração aquecido, de me tirar do inverno interior que vivi por tanto tempo.
Não quero estender mais este bilhete, só queria te ver sorrindo ao abrir o livro e encontrar isso aqui. Escrevi mesmo pra te pedir desculpas por não ter conseguido responder quando você me perguntou o que eu sentia. Eu não sei o que sinto. Só sei que costumo te ver como uma parte de mim vivendo em um outro corpo. Só sei ter saudades.

 Fique forte como sempre foi, combinado?
"And I will try to fix you..." 

 Com carinho,
Branca.

Não apague as luzes, não me deixe aqui...

sábado, 9 de junho de 2012

Tudo ecoava de forma diferente naquela floresta, como se o som do vento batendo nas folhas tivesse voz e todas aquelas árvores cantassem em coro os horrores que aquele lugar já havia visto. Eram ossos cobertos de terra, escondidos de maneira que jamais ninguém encontraria. E quem se atreveria a pisar ali? Eu fui por acidente, quando me dei conta, já estava perdida. Não deixei rastros, não marquei meu caminho, não sabia voltar.

 O baile dos tiranos começaria em alguns minutos. Tentei me preparar, mas não tinha roupa para aquela ocasião e, ainda pior: tudo o que eu tinha era aquela velha armadura que mais parecia feita de vidro, tamanha era sua fragilidade. Já nem sei mais se me servia de algo ou apenas acrescentava peso ao fardo que minhas pernas carregavam. Meus pés estavam descalços, eu tinha em mim a certeza de que não seria bem vinda. Antes houvessem tentando me expulsar daquele lugar... Que nada! Jogaram-me em uma cela, sozinha. Não foi como deve ser todo bom conto de fadas, onde a princesa é aprisionada em uma torre e salva por um príncipe. Ao contrário disso, minha prisão era subterrânea e eu não fazia ideia de quanto tempo levaria para que alguém saísse em meu resgate. Eu não sabia se alguém sairia em meu resgate.

 De uns tempos pra cá, tenho vivido em estado constante de outono, interiormente. Tenho caminhado, sem saber ao certo para onde meus passos me levam. Descobri em meu cárcere o que é temer a morte e agonizar em vida. Descobri que o silêncio e o frio sussurram a mesma canção entoada por aquelas árvores da floresta. Toda vez que o silêncio se chegava até mim, eu balbuciava em tom de suplica: "por favor, de novo não..." mas ele não me ouvia. Presenciei ainda uma terrível cena: vi a esperança ser violentada todos os dias pelos medos tenebrosos, sem conseguir escapar de seus braços, tão cansada que desistiu de gritar. Já não reagia mais, apenas esperava findar a tormenta para esconder-se novamente com suas vestes sujas em algum lugar onde talvez não fosse encontrada. Eu senti, naquela cela, a morte envolver-me como uma névoa. Deviam ter contado antes que as chaves estavam enterradas ali por perto. Mas olha, não buscarei por vingança. Sequer lembro como chegar até lá! E tome por aviso: não deixe de ler as placas.

Ao nosso amor sujo, à nossa atraente loucura



Saudade de receber você no início da noite alterado pelo seu verde tão natural, dos olhos e da planta. Que te fazia mais fora de si do que era de costume; sentava-se ao meu lado na varanda ou em praia deserta e conversávamos com música. De melodia em melodia: nossa paixão. E se eu quiser, ouso chamar de amor.
Amava te amar com meu corpo. Sentir o seu sobre o meu, seu respirar. Seu cheiro de planta queimada, seu hálito no meu, nosso calor. E nós alternávamos entre uma conversa e outra, um beijo e outro, uma música e outra, e palavras incompreensíveis, assuntos que não faziam sentido algum. Mas nós entendíamos e era a vida que eu quis. Procurando vaga uma hora aqui outra ali no vai e vem dos seus quadris. Ultrapassávamos a madrugada e ouvíamos o galo cantar.
Noite e dia, lingerie de renda preta. Noite e dia, pele branca. Noite e dia, o reflexo da lua no meu corpo. O som do galo a cantar, o mundo inteiro acordando; nós, porém, indo dormir.
Todo dia é dia, meu bem, e tudo em nome do amor!




Pro  Dia Nascer Feliz, Cazuza: música inspiração.

Aos céus.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Acordei às seis da manhã, meu corpo continuava cansado, minha mente estava dispersa e, pra ser honesta, ainda está. Os pensamentos pareciam embalar uma valsa desordenada. Na noite anterior, o escarlate reluzente naquela taça parecia meu próprio sangue que fora perdido na guerra de manter-me viva. Era quase o sangue que corria em minhas veias, como a vida que se perdera. Eram insanidades feitas em líquido fino, em seda que se bebe. Deixei dentro daquela taça de cristal, alguns pequenos planos e sentimentos em troca da minha lucidez e vigor. Selamos então nosso pacto com um beijo.

 Logo nas primeiras horas deste dia, observei um céu que anunciava tempestade e algumas árvores distantes. Aquele cenário parecia me encarar com pesar. Decerto, também se lamentava pelo estado decadente da humanidade. Como alguém que fala mas não é ouvido. Como quem brada com trovões, mas em seu interior, há uma criança inocente de olhos marejados, entregue ao abandono e ao esquecimento. O dia é acinzentado, sem brilho algum. Vivenciando o luto por um povo cego em dores. O céu me olhava e confiava me contar suas tristezas, como gritava o meu coração, choramingando pelas prisões às quais era entregue. Assim também suspirava a minha alma, trocando confidências e buscando conforto. Até o verde opaco das folhas tentava contar histórias, mas tudo e todos estavam amordaçados. Silêncio. Chore em silêncio.

 Inunda mesmo essa terra, tempestade. Eu entendo. Eu vi, Criador e criação, chorarem juntos sem nem saberem mais a quem pertenciam aquelas lágrimas. Era só chuva. Porque me foi contado em segredo que o sangue derramado sobre este solo é o vinho oferecido aos céus. Pois então, que choremos em nossa embriaguez. Depois o sol aparece por trás de uma nuvem qualquer, o céu fica mais claro e abre um sorriso singelo como quem diz: "Já passou". É... temos muito em comum.