São três e
meia da madrugada e acho que sofro de insônia. Tive um dia corrido, fiz coisas
e meu humor alterou dentro dos limites. Limites! Sempre estive com eles e sabe,
às vezes, me questiono sobre quem eu sou... Quem sou eu, doutor? Será que sou
meus comprimidos de tarja preta ou eu mesma? E “eu mesma”, quem é?
Aprendi desde
cedo a resolver meus problemas com receitas que consegui em consultórios. Meus
pais me levavam, pagavam caro, e eu estava então feliz, (era tudo que eu
precisava, conforme me diziam as vozes). A droga que a sociedade aceitou.
Ao longo do
tempo sofri repressões advindas destes comprimidos. Quando eu quis extravasar,
deram-me balas que me fizeram dormir. Quando quis dormir, era preciso acordar.
E agora só me resta um questionamento: Quem eu sou?
Direciono-te
esta carta e confesso que não tenho outro alguém a quem direcionar. Me incomoda
não saber quem sou. Sinto que nunca fui verdade, as fórmulas nunca me deixaram!
Nunca permitiram que eu fosse quem eu quisesse.
Doutor, a
sociedade não te aceita como você é, acabei de aprender isso. Tudo ficou mais
claro agora, quando troquei os comprimidos por umas doses de conhaque. Sim, não
tomei nenhum remédio hoje à noite. Não quero outro tratamento, nunca entendi de
fato o que diabos eu tinha, afinal. E também não quero mais saber. Acho que
desisto, doutor.
Não tenho
orgulho de mim. Manipulada por fórmulas, nunca soube decerto quem eu era. E não
há remédio que possa me dizer. Não quero alguém dizendo quando posso sorrir ou
chorar. Não quero que me digam quais são meus limites, doutor. Quero testá-los.
Para
finalizar, vale acrescentar que me sinto aliviada como nunca senti antes. De
certa forma consegui dizer o que há muito guardei. Quero descobrir a resposta
para o meu questionamento e deixar de somente existir. Agora já são quase
quatro horas da madrugada e aumentarei a intensidade do meu som. Estou intensa,
quero expressar isso. Vou beber os drinks que eu quiser, dançarei e cantarei. Pularei!
Irei tocar o céu hoje, doutor.
Se vizinhos se
incomodarem, provavelmente dirão que alguém do 303 está em surto. Suponho que
virão me buscar com camisa de força, mas duvido que me encontrem aqui. Pois
retoquei a minha maquiagem, me aprontei. Vou voar, doutor. Liberdade,
finalmente.
Você e o seu consultório
nunca mais me verão.
Adeus!
Geovana.