Coleção de despedidas

sábado, 26 de outubro de 2013

Meu amor;

Tirei a roupa, abri o chuveiro e tentei lavar a mente, a alma, o coração, em vão tentei tirar de mim qualquer sentimento que me fizesse sentir tamanha dor. Lembrei de quando eu tinha quatro anos de idade, o primeiro dia na pré-escola. Eu realmente não queria ir, porque não me cabia sair do meu mundo que até então se resumia a um jardim, um balanço feito com um pneu amarrado em uma corrente e uma caixa de areia com baldes e pás. Tudo o que eu sabia da vida se resumia nisso. Tinha o céu também, que eu achava que era meu. Eu gostava de ver as nuvens também, jurava que em algum momento elas "cairiam" ali no meu quintal e teriam a mesma textura de um colchão, então eu brincaria em cima delas. 
As únicas pessoas que eu conhecia eram os meus pais, meu irmão e meus avós. Conhecia alguns primos. Era confortável, eu não precisava de mais nada, no meu jardim tinha a minha árvore gigante, tinha as minhas flores favoritas, existiam também os insetos que eu gostava de observar. Eu não precisava de mais nada, era feliz daquele jeito. Não me era cabível a ideia de estar em um lugar cheio de crianças desconhecidas e maldosas com uma professora gritando comigo por eu ter feito alguma atividade errado. No meu primeiro dia de aula, senti a dor de uma ruptura. Chorei, gritei, grudei na minha mãe, implorei que ela não me deixasse lá... Não teve jeito. Passei ter que encarar aquilo e levei até onde pude. Eu não estava disposta a abrir mão do meu mundinho para enfrentar o mundo de verdade - eu nunca estive - e eu ainda não estou.
Dois anos depois, a minha avó materna morreu. Pela segunda vez, algo se rompeu em mim. Eu não sabia muito bem o que era "morrer", não sabia direito o que era "perda", tudo o que me disseram é que eu não a veria mais, nunca mais. Desde então, a morte se tornou sinônimo de "não ver a pessoa nunca mais", e muita gente tem morrido por aqui - ainda que respire.

Continuei a crescer e perder. Perdi a empolgação que eu tinha em todo Natal. Perdi o entusiasmo que eu tinha em relação a tudo. Perdi a energia que tinha pra correr. Perdi os meus melhores amigos. Perdi a confiança nas pessoas. Perdi a alegria que eu sentia ao ganhar aquele picolé azul, ou ao comer pamonha (hoje eu detesto pamonha). Perdi palhetas. Perdi pedaços de chocolate que guardei na geladeira. Perdi coisas bobas, perdi coisas que valiam muito também. Perdi coragem. Perdi forças. Perdi você. E quando perdi você, parece que perdi tudo o que ainda tinha restado, embora eu já esteja cansada de ter de sussurrado isso pra você nas minhas noites de febre enquanto sentia a sua falta.

Sabe o que me deixa mais perplexa? Em cada uma das minhas perdas, eu sentia novamente a dor de todas as perdas anteriores. Todas rupturas novamente. A simples ideia de perder qualquer coisa, por menor que seja, me assusta, porque eu já sei que a dor será insuportável. E depois de tudo, eu me apaixonei. Meu amor, eu me apaixonei por outra pessoa. É estranho te dizer isso, porque eu te amo, mas me apaixonei por outra pessoa e também passei a gostar de outra. Nem eu entendo, as vezes juro-de-pé-junto-e-amarrado que sou completamente maluca. Com a pessoa que gosto, eu acho que consegui superar alguns traumas do passado, coisas que só você soube dos detalhes. Fiz o que planejava ter feito por você, com você. Me perdoe (?) por isso. Só que hoje, tudo me feriu de uma forma bem voraz. Eu vi o metal correr pela minha pele enquanto o sangue escorria e não gritei. A pessoa por quem eu me apaixonei também me disse "adeus", assim, sem dizer. Não sei se você vai me entender. 
Hoje, enquanto eu estava no banho, já não sabia mais distinguir o que era lágrima e o que era só a água do chuveiro. Perdi as forças, sentei no chão e chorei. Chorei, porque todas as rupturas vieram de uma só vez. Chorei e questionei mais uma vez o motivo de você não estar aqui, porque se você não tivesse morrido, eu te ligaria e te ouviria. E eu sei que falaríamos coisas sem nenhum sentido. Sei que eu perguntaria qual país você acha mais interessante, ou discutiríamos sobre MMA. Poderíamos até falar dos coalas de chocolate que vendem no bairro da Liberdade até você dormir como sempre fazia. E eu ficaria ali por horas em silêncio ouvindo a sua respiração leve. Eu poderia ao menos fingir que sou feliz, por algum tempo eu acreditaria que tudo estava bem e eu não precisava de mais nada porque você estaria lá pra me fazer esquecer o resto do mundo, mas você não está.
Eu não tenho pra onde correr. Minha mãe não faz mais chá de camomila pra mim quando me vê chorar. O meu pai está bravo comigo, eu vivo estragando o carro dele e pegando multas, as vezes nem fui eu e ele diz que a culpa é minha. Amanhã eu tenho um vestibular pra fazer, e pra ser bem honesta com você, eu não vou. E não vou porque sei que não vou passar. E digamos que, se por ironia do destino eu tirasse nota suficiente pro curso que planejei, quando começar a data da matricula da faculdade, estarei trancada em uma clínica de reabilitação. As vezes sinto que estou perto de te encontrar, seja lá onde você estiver, no céu, em algum canto do universo, ou em qualquer lugar espiritual hipotético, eu sinto que estou perto de te encontrar. Nem que seja estar perto por também estar debaixo da terra. Não sei se ainda creio em mim e sei que por isso devo te pedir perdão. Todos os dias cometo erros. Todos os dias. Eu sei que é patético escrever assim sabendo que você não lerá ,que você nunca vai saber nada disso aqui nesse planeta, mas eu preciso contar, preciso te dizer que eu estou quebrada, que eu queria que as pessoas nunca partissem, que o "adeus" não existisse. Preciso dizer que não sei ser sozinha e não sei estar com alguém sem levar esse alguém pro abismo comigo. Preciso dizer que lutar por mim é dar murro em ponta de faca, porque você tinha razão, de fato eu sou "impossível" de tão teimosa. Eu preciso dizer que sinto falta da tua voz. Eu ainda amo você.

E eu sempre vou amar você.