Psicose

terça-feira, 13 de maio de 2014

Chá de camomila. Pode soar estranho, mas é a minha maior nostalgia. Meus silêncios e gritos acabavam sempre em uma xícara de chá de camomila.
Tomava o chá aos poucos observando a fumaça que saía da xícara pelo líquido que ainda era extremamente quente. Espiei a rua pela janela, havia névoa e garoa. Peguei um cigarro. O frio era de sacudir os ossos. Tudo aquilo parecia exatamente parte de mim. Não importa o quanto aquele clima me fazia tossir, o frio era confortável. A bebida era confortável, tudo se encaixava ao que sou.

Por um instante questionei minha existência. Questionei como duas personalidades totalmente distintas podiam dividir o mesmo corpo. As vezes meu coração era tão quente quanto o que chá queimava a minha boca a cada gole. Entretanto minhas atitudes eram como a garoa fina e gelada lá fora. Incômoda, quase imprevisível, indiferente.
Apoiei-me na janela para fumar. Tossi. Maldito hábito. Era sinal de que meus pulmões já não eram os mesmos. Vinte e cinco anos e meu organismo já era mais estragado do que o dos meus avós.

Pensei em meus avós. Como eles reagiriam se soubessem quem eu realmente sou? Como agiram se soubessem que a neta pós-graduada e com pinta de boa moça, no fundo era uma bandida que nunca se importara cima nada?
Lembrei do meu último crime. A vítima não conseguia fechar os olhos, eu havia feito cortes que o impossibilitavam de fechar os olhos. Era um cômodo totalmente espelhado, ele assistiu passo a passo de sua tortura e viu a morte caminhar lentamente em sua direção. Traguei o cigarro, segurei a fumaça nos pulmões e soltei devagar. Antes que a culpa tentasse invadir minha mente, lembrei que aquele homem havia abusado de mais garotas que posso contar. Cortei seu membro principal, sua "ferramenta de trabalho" aos poucos para que ele tivesse tempo de sentir o que fizera. De sentir como é estar vivo e se ver morrendo aos poucos sem conseguir fazer nada. Talvez daquela forma ele compreendesse quantas pessoas ele havia matado embora os corações ainda batessem, o resto tinha morrido. Fui uma delas. Não achei nada mais justo do que mante-lo preso sentindo cada gota de seu sangue escorrer.
Outro gole de chá. Lembrei então do golpe que eu havia dado no restaurante mais caro da cidade. Lembrança que me fez abrir um sorriso sarcastico. Se não fosse pela mente que tenho, seria feliz. Eu acho. O que é ser feliz? Deve ser coisa de gente normal. E definitivamente, eu nunca fui.
Busquei naquele chá a calmaria que minha cabeça buscava. O tão precioso silêncio mental. Monstros descansam? Eu espero que sim.

E sem perceber, dormi deixando a carta sem conclusão, como tudo o que faço: só tem sentido pra mim.