Onde as ondas quebram.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Quando eu te conheci estávamos bem perto da praia. O mais irônico da situação é que eu nunca tinha visto o mar, eu não fazia nem ideia de como nadar. Você me segurou pela mão e me mostrou a sensação nova de correr descalça na areia. Me mostrou o quão grande a praia é e, maior ainda, me mostrou o mar em sua forma mais majestosa. O grandioso rei mar. Tão grande que eu não podia ver seu fim, nunca vi, nunca consegui imaginar, muito menos quando sentia a sua mão junto à minha.
Pouco a pouco você foi me mostrando tudo o que eu nunca tinha visto.
A noite caiu, foi então a minha vez de te mostrar algo. Te apresentei cada uma das constelações no céu, dei seu nome àquela estrela que achei o brilho mais intenso. Nos beijamos e eu dormi nos seus braços.
Despertamos com o sol que nos tocou a pele antes que o sono fosse totalmente embora. Acordei com a cara de preguiça de sempre, sorri de canto ao ver seu cabelo também desajeitado, perdemos a noção do tempo quando vimos o belo astro sair das águas e cobrir por completo o céu com seu manto de luz. Vi seus olhos vidrados nos meus como quem queria dizer algo, entendi que já era hora de experimentar o mar. Novamente você me segurou e me levou até o início, onde as pequenas ondas se quebram. Senti aquela imensidão líquida aos poucos me empurrar de volta pra areia, as vezes me levava pra ele. Tive medo e te olhei. Vi a naturalidade com a qual você encarava tudo aquilo.
As pessoas começaram a entrar em pequenos barcos porque os ventos estavam favoráveis para um passeio. Você me colocou dentro de um barco. Remamos até certo ponto. Eu nem sabia remar! Lembra disso? Foi você quem me ensinou. Remamos incansavelmente... Então você disse que já era hora de eu aprender a remar sozinha. Te vi pular nas águas que ainda me apavoravam, você nadou até o cais e ficou ao longe me observando. Não tive tempo de te dizer nada, não consegui questionar, não pude pular na água porque eu nunca soube nadar. EU NUNCA SOUBE NADAR E... CÉUS! O QUE TE DEU NA CABEÇA PRA DEIXAR UMA PESSOA QUE NÃO SABE NADAR SOZINHA EM UM BARCO QUE NINGUÉM SABE PRA ONDE VAI?
Meu coração disparou, depois apertou, em seguida chorei feito uma criança que se perde dos pais. Eu te via o tempo todo, mas você já não podia me ouvir. Eu te chamava, mas você nunca escutava. Eu queria que você voltasse, mas eu nunca soube bem o que fazer.
Enquanto o desespero me consumia, peguei os remos e lembrei. Lembrei de tudo o que aprendi na minha viagem com você. Lembrei como remar, como voltar pra praia. Lembrei de cada milésimo que me levara até ali.
Hoje estou sentada no cais observando o mar e observá-lo me faz lembrar de tudo o que tentei esquecer. E tudo o que tentei esquecer, foi o que me salvou de me afogar em mim. Todos os meus medos se tornaram barcos à deriva, nada além.
Eu fico aqui olhando a mesma paisagem esperando você aparecer subitamente, tapar meus olhos e sussurrar no meu ouvido: "adivinha quem é?"

Carmélia,

sábado, 11 de outubro de 2014

vá embora.
Não sinta saudade, não olhe para trás, não cozinhe para mim. Acorda, mulher, vá cuidar de você. Nunca cuidei de você, por que você cuidou de mim? Porque lavar, passar e cozinhar pra um homem como eu? Eu nunca pedi isso, mulher. Vai embora. Você não precisa de mim.
O que eu te dei que você não possa conseguir?
Meio tostão furado, uma casa qualquer, algum cartão de crédito. Na verdade, é tudo teu.
Recupere teu trabalho, por que fechou a loja? Você gostava tanto.
Eu nem gosto mais de você. 
Gostava daquela garota apaixonada pelos doces que fazia, encantada com as pessoas diferentes que frequentavam aquela loja em que eu também frequentei. Me prendi nos olhos da moça, gostei tanto tanto tanto dela que a quis pra mim.
Te conquistei com três cafés. Palavras apaixonadas e passeio de mãos dadas.
Queria ela só pra mim. E tive.
Mas ela foi embora com o tempo. Acho que matei minha Carmélia quando quis que ela fosse mais minha do que dela. Morreu a minha garota. 
Se foi o brilho nos olhos da moça, nem mais doce e nem mais graça nas pessoas.
Roupa lavada, casa limpinha. Poucos amigos porque é só minha a minha garotinha.
Perdeu a vontade de ir aos lugares, perdeu a curiosidade que eu admirava. 
Vá embora, mulher. Fui um assassino. Assassino de você.
Retome tua vida, pelo amor de deus, me deixa. Case-se consigo, mulher, e cuida mais de ti do que cuidou de mim.



com (pseudo)amor, 
o seu bem querer,
arrependido por assassinato de você;
João.

À dona da estrela mais bonita

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Amor, eu tinha parado de comer creme dental, esqueci de te contar. Eu só estou contando agora porque encontrei a mochila que levei e trouxe da tua casa. Abri depois de muito tempo e achei aquele gel dental vermelho que levei da ultima vez que fui pra tua casa. Abrir a mochila doeu, me fez sorrir, tudo ao mesmo tempo. Estou dividida entre deixá-la aqui no meu quarto ou jogá-la no sotão. Sinto a mesma coisa em relação a nós. Não sei se deixo o que eu sinto por você permanecer aqui, ou se devo jogar no meu sotão emocional. Você também deve sentir isso as vezes...
Dentro da mochila encontrei alguns itens com um leve cheiro de cigarro da época que eu fumava com mais frequêcia. Também tive que parar com isso. Tinha aquela cartinha que você fez pra mim, onde desenhou o Bart e uma rosa. Eu pressionei a tua carta contra os lábios como se isso fosse o beijo de boa noite ausente pela distância. Uma lágrima caiu. Várias lágrimas seguiram caindo. Tentei puxar o ar pra dentro dos pulmões, abracei a mochila e deitei no colchão.
Eu sempre tive o meu jeito peculiar de viver. Por vingança, por auto-fuga, pelo que fosse. Talvez por ter nascido como sou. E depois de tudo, depois que eu sou apenas eu, sem um "você" presente pra completar, a minha vida é mais bagunçada que meu quarto e olha que você sabe o quanto o meu quarto é bagunçado! Eu lembro de você meio que me obrigando a arrumar esse quarto. Eu lembro dos banhos longos, eu lembro do cabelo bagunçado ao acordar, eu lembro da troca de carinho antes de dormir toda noite. Eu lembro do quanto odiamos o natal e do quanto me embriaguei no ultimo natal. Eu fecho os olhos e consigo mentalmente desenhar cada linha do seu rosto. Eu fecho os olhos e consigo sentir a textura do seu toque. Eu consigo sentir o seu jeito de abraçar, sinto a temperatura do teu corpo. Eu sinto você. E outra lágrima cai. Será que você, de uns tempos pra cá, sentiu-se assim também?
Eu sempre mudo o lado que ando na calçada, mania que você colocou em mim. Eu nunca mais tomei outro refrigerante que não fosse Sprite na rodinha de amigos. Eu tenho amigos agora, eu conheço mais gente do que eu conhecia e já aprontei mais do que aprontava, mas quando lembro dos sonhos da nossa casa, do nosso cachorrinho e de tudo... Você deve saber como meu rosto está agora.
Eu olho pro céu e vejo a sua estrela, desde que nos desentendemos, passei apenas a dizer "boa noite" a ela. Eu lembro do dia do parque, nunca mais voltei lá. E não voltei porque eu sei que vou lembrar de você me abraçando e me dizendo pra sorrir pro video que você estava gravando e eu sei que saudade será pouco pra nomear o que vai explodir no meu peito.
E lembrando de tudo isso... Eu queria saber, você tem acordado a noite e sentido a minha falta no meu lado da cama também? Porque se eu ainda tiver um lado na sua cama, nós ainda somos nós.
Amor, eu sempre fui um poço de medo e dor mas te ver sorrir quando você fica com vergonha sempre me fez superar tudo o que se colocava contra o que eu sentia.
Essa carta não é um pedido para que você fique porque eu só quero que você esteja aqui se você realmente quiser estar. É só um jeito de dizer que de alguma forma, eu acho que nunca deixei de te pertencer.