em dias assim,

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

quando amanhece nublado dentro de si apesar das cores de fora e você não sabe bem se o agente causador reside na complexidade hormonal ou em alguma coisa inconsciente que Freud esqueceu de te explicar, aproveita os sentidos acelerados, a flor que nasce na pele, escreve uma carta para si.
quando as nuvens encobrem o sol, talvez seja pouco provável de se enxergar, mas acredite: existe ainda o sol. só não espere por ele. não só a sua quentura pode te fazer feliz. por vezes são as gotas da chuva que trazem sorriso lá do coração, por vezes a alma espera ansiosamente pelas gotas que caem, pra ser lavada, e a resposta que ela entrega à natureza é o sorriso com nascente no coração.
os dias tempestivos fazem total sentido. apesar do temporal o sol vai nascer e amanhã os pássaros irão cantar. e todo esse dia confuso, na verdade, só foi pra que algumas palavras servissem a carta, a carta. aquela carta que você constantemente esquece de escrever.
esperei por ela todos os dias por anos.
um dia ela chegou e eu não era mais eu. eu não estava mais esperando a carta, quando ela chegou. dizem que as coisas chegam quando não esperamos. mas se demora tanto assim, se esquece. eu esqueci. de quem eu era e do que esperava. mas a carta chegou.
a carta chegou num dia de chuva. num dia de tempestade. não havia muita vida pra observar. não tinha o canto dos pássaros. alguns ninhos tinham caído com a força do vento. fiz abrigo pra alguns animais. nossa fazenda esteve em crise. por anos eu não me lembrava, por tempos passei totalmente alheia a tudo.
mas não nos primeiros meses.
nos primeiros meses me sentava pacientemente na nossa varanda e apenas observava o caminho por onde passávamos, aguardando uma face conhecida e cheia de amor.
a carta ficava para as manhãs. metodicamente me dirigia ao mesmo lugar, todas as manhãs, antes de tudo, logo ao despertar. nada. sempre vazia. ou pelo menos com nada que me interessasse.
com o tempo me cansei. parei de esperar a carta, mas todos os dias seguia com o plano: lá estava eu, caneca e café na mão, a camisola arrastando na terra, o sorriso de antes dando lugar a expressão do cansaço, tão nova e as rugas. as rugas estavam vindo sem que você estivesse para contá-las e não havia nada mais lindo do que o plano que fizemos de envelhecermos juntos pra que contássemos não só as pintas juvenis como também as rugas. as rugas malditas e temidas. e nenhuma carta no correio!
mas naquele dia foi diferente. na verdade, furei o método.
a semana longa de chuva me impediu de ir ali, da janela da sala eu apenas observava o correio. esperando ansiosamente para que saltasse dali um envelope e se abrisse diante de mim. mas nada acontecia nunca. naquele dia foi diferente porque apesar do temporal, me veio do nada uma sensação de euforia. olhei pro céu, e já fazia tempo que não o via assim. foi incrível. notei luzes diferentes no meio da negritude do céu. sempre achei tão lindo os céus de tempestade, mas hoje havia ainda, pra somar, um ponto de luz. e ele foi direto no meu coração. imediatamente, e não metodicamente, me levantei. corri para  a porta e a destranquei.
me dirigi ao correio, pés descalços sujando de lama, camisola se tornando transparente com as gotas da chuva, cabelo indo em todas as direções por seguir o vento, me cegando. cachos indecisos saltando nos meus olhos. mãos trêmulas: tinha uma carta.
bastava ter uma carta para que eu soubesse do que se tratava.
abri aquela carta e tudo fez sentido, pude saber através das palavras de novo quem eu era.
as suas palavras de amor me lembrando quem sou.
por muito tempo as cartas que escrevia para mim salvavam a minha vida e entusiasmavam a minha espera. até quando escrevia para mim, era para ti que escrevia. e vejo que o contrário também ocorria.
a guerra de tão longe se colocou tão perto.
partiu meu coração.
e tudo que eu queria era somente uma carta. já que a face amada não poderia ser vista.
mas com a carta me veio a dúvida: veria de novo os olhos brilhantes com sentido de sol e de lua?
me traz as estrelas, quero ver-te.


Com amor,
Catarina.