Penteadeira

domingo, 23 de outubro de 2016

Olá pai, Lilian, jana...

Sei que vocês não vão me entender, que talvez queiram sair atrás de mim desesperadamente, que acham que eu não sou capaz de me virar sozinha. Talvez eu não seja. Mas convenhamos que chegou a hora daquela menina que, anos atrás, só dava problemas, correr atrás da sua vida. Correr atrás do que ela acha certo na vida e, assim, tentar reparar algum erro que possa ter deixado para trás. Somem essa carta à última e... mais ou menos entenderão o que fui buscar.

Pai e Lilian, sei que fiz um monte de coisa errada e agora estava tomando rumo na vida. Obrigado por me ampararem naquela fase difícil que, nem eu sei como, fui parar. Desculpe a quantidade de merdas que fiz, a quantidade de preocupações, de sofrimentos e outras coisas mais.

Janaína, pois então... não sei como dizer isso pra você. Mas precisei te dar o cano de novo. Não quis te esperar de manhã porque sei que, assim que chegasse, eu não iria querer sair. Sei que eu ia acabar enxergando minhas conquistas só mudando minhas atitudes e não mudando de ares. Acredito que vá dizer que ir embora assim é bobagem e tudo mais, mas uma hora vai entender.

No mais não vou escrever mais. Só peço que confiem em mim. Preciso desse tempo longe de tudo e de todos pra me achar, sabem? Quero ver quem é a Helena dentro desse corpo, dentro dessa mente. Não vou sumir e pretendo mandar cartas para vocês de tempos em tempos, quem sabe email, ligações... 

Só peço uma coisa: não tentem me encontrar. Não agora. Preciso desse tempo comigo mesma.

Com amor,
Helena.

Mefistófeles

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

É estranho escrever estas linhas. Sério. Eu já comecei esse tipo de carta tantas vezes que não posso me lembrar. Não sei nem se chego ao fim dessa, se a motivação que me colocou a pena à mão se manterá conforme redijo. Muito provavelmente a vontade e o desejo de partida sejam maiores do que a minha capacidade de me manter em pé.

Hoje provavelmente está sendo um dos piores do ano e por isso essa motivação. Não, não teve um grande acontecimento, algo que me fizesse querer desistir nessa altura. Nada demais, apenas a complexidade de tudo, a necessidade de manter tudo junto, de manter todas as marionetes presas aos dedos e de mante-las se movimentando. Explico: eu acredito que todas as coisas da vida são marionetes que controlamos. Na infância temos as marionetes de brincar e de estudar, depois vai aumentando a quantidade de fios, de marionetes... até tudo funcionar certinho muita gente se ferra. Entre elas eu.

Não vou fazer aquele discurso de "ah como o sistema é mau" e de como tudo que nos cerca nos poda e nos impede de sermos o que queremos/podemos/vamos ser. E não venham dizer que "ah, mas ninguém pode correr pelos teus sonhos, você tem que se virar". A vida é linda em postagens de rede social onde "casal 'larga tudo' e viaja o mundo". Se fosse tão simples todo mundo fazia. E esse "tudo" que eles tinham era o que? A casa dos pais? Pff. A vida real, de quem ganha o suficiente pra existir e manter meia dúzia de pequenos vícios (pequenos e baratos) não comporta esse tipo de fuga. 

Mas não é disso que essa carta trata. Ela trata de mim e do meu convívio constante com as minhas inquietas sombras. Se você, que está lendo, não conhece sugiro ler Fausto, do Goethe e Dom Casmurro, do Machado de Assis. Mefistófeles cada dia que passa vem com um discurso cada vez mais afiado e mais convincente. Não é uma carta suicida ou coisa que o valha, mas é uma carta que, caso aconteça algo, vocês já saberão o que aconteceu, o que me tirou a pena das mãos, o que me "libertou". E não venham com aquele papinho de "ah, mas suicidas vão pro inferno" porque eu não acredito nisso, não sou ateia (existe esse termo?), mas também não acredito nessa bobagem de céu e inferno. O "algo superior" que existir deve ser alguma forma alienígena com tecnologia/capacidades cognitivas superior à nossa. Ou isso ou as coisas do próprio universo como "tempo" ou "gravidade". Mas nada de deus sentado num trono de nuvens ditando as regras como uma criança mimada jogando the sims.

Enfim, como em tudo nos últimos tempos, me perdi e acabei falando coisas além do objetivo inicial da carta que era uma carta em tom de despedida. Não vou me matar (pelo menos não tão logo, ainda tenho algumas coisas penduradas que gostaria de resolver), mas vou passar a me isolar mais e mais até que não sobre muita coisa ou ligação com as pessoas. E se isso parecer um pedido de socorro abafado por uma doença sem cura. Touchê. Você entendeu o espirito da coisa. Quem quiser vir tentar me ajudar venha, mas venha disposto a ajudar de verdade, ajuda do tipo "fique bem, tão bonita e aí enfurnada num quarto" será rechaçada. No mais, até logo. Ou não.

Atenciosamente,
Helena.

O início do fim - parte I

sábado, 24 de setembro de 2016

Acordei em mais uma manhã de primavera com cara de outono. Abri os olhos e senti ao despertar uma inexplicável culpa. Era como se acordar mais um dia fosse um crime. Fechei os olhos novamente, as lágrimas aqueceram meus olhos de imediato, apertei as pálpebras e sem querer, molhei o travesseiro. Tentei engolir o choro e junto com o choro, tentei engolir aquele nó na garganta que há dias se fazia presente. Permaneci por mais alguns minutos imóvel na cama. Notei que ele não estava em casa ainda, logo em seguida vi a mensagem de que dele não apareceria tão cedo. Meu coração quase saltou do peito. Estar sozinha era tudo o que eu queria, em paralelo, também era tudo o que eu temia. O tempo passava em câmera lenta, como se tivesse sido colocado num conta-gotas daqueles que você precisa fazer um certo esforço pra pingar algo. Não demorou para que as velhas sombras viessem visitar. No começo eram sussurros, logo tornaram-se vozes imponentes decompondo o resto de razão e equilibrio que havia em mim. Peguei uma luva cirúrgica, usei como garrote, apertei bem usando a boca para puxar, minhas mãos estavam ocupadas procurando veias. Malditas veias, nunca aparecem quando preciso. Puxei o garrote improvisado com um pouco mais de força, senti um alívio doentio ao ver o sangue subir. Estava na veia, era só injetar lentamente e tudo começava a desaparecer. A visão ficou turva, os movimentos igualaram-se ao tempo. Eu também estava em câmera lenta. Não tive tempo de tirar a agulha do braço, ali mesmo sentada no chão com a seringa pendurada no braço, adormeci.

Antes de você

domingo, 7 de agosto de 2016

Eu já escrevi muitas cartas de amor. Escrevi também, cartas de despedida. Cartas de saudade. Cartas que eram confissões. Cartas de desabafo. Acredito que essa carta seja uma mistura de todas as outras porque, há despedida, há um pouco de saudade, mas também há amor. Há confissão, há desabafo. E planos. Principalmente, planos.

No momento em que escrevo, você ainda está um pouco longe de adormecer em meus braços. Terei de esperar. Eu gostaria que você soubesse de algumas coisas antes que ouça falácias a meu respeito por aí, decidi então te contar.
Eu não sou a melhor pessoa do mundo, essa é a primeira coisa que preciso te contar, embora eu quisesse mais que qualquer coisa nessa vida ser a melhor pessoa do mundo para você. Eu tenho essa casca de ferro, mas por dentro quebro fácil. Eu queria nunca te decepcionar, mas sei que um dia o farei, mesmo sem querer. Não importa o quão boa eu seja, não importa o quanto eu lute, eu vou falhar. Saiba então, entender e perdoar. Eu espero que você tenha essas virtudes tão bonitas que são o compreendimento e o perdão. Eu sei que você será bem melhor que eu. Sei disso.
Bem, eu fiz algumas besteiras antes de saber que você morava em mim. Perdoe-me por isso também. Antes de você os meus dias eram iguais. Eu cometia meus pequenos crimes, fugia dos problemas de formas inconsequentes (por favor, não herde isso de mim), eu não acreditava em muita coisa.

Um dia, cai de joelhos ao descobrir que você viria. Que dentro de mim, havia você. Que eu não estava mais sozinha e eu chorei por dias. Eu tinha tanta certeza de que eu não era capaz de cuidar de você! Eu só conseguia olhar para o meu passado e ver todos estragos que deixei pelo caminho, Eu só conseguia pensar quem eu me tornaria daquele dia adiante.

Antes de você o meu mundo era tempestade, turbulência e um imenso vazio. Eu acordava imaginando quanto tempo levaria até que meu corpo atingisse o chão uma vez que eu pulasse do telhado, Hoje meu tempo é contado de forma diferente. Fico pensando a cada semana como você está agora. Antes de você tudo era bagunça, hoje, pensar em você me remete à calmaria e o mais estranho é gostar isso. Logo eu, que nunca suportei um dia calmo.

Eu acreditava que tinha passado por todas as piores dores, até cogitar a possibilidade de poder te causar algum mal sem querer. Eu jurava que tinha amado com todas as minhas forças, até começar a imaginar seu rosto. Até me imaginar cantando até que você cair no sono. Até saber que eu deixaria qualquer coisa pra te ver bem, pra ter você comigo. Eu quero que você saiba quando ouvir isso que seu nome significa "o fim da tormenta", "o conforto" e "a esperança", porque é exatamente isso que você representa.

Eu era só uma garota depressiva e explosiva que não acreditava em nada, então você apareceu e fez brotar em meu coração uma fé inabalável. Você me mudou e ainda me muda todos os dias. Achei que me fizesse sumir, mas ao contrário disso, você me faz florescer, me faz sentir a vida transbordar pelos poros.

Eu nunca fui a mais forte, nunca fui a mais esperta e muito menos a mais correta, então você surgiu e além da sua vida, me deu uma vida. Um caminho, Eu já te devo tanto! Obrigada por salvar a minha vida todos os dias. Obrigada por cuidar de mim tão bem. Um dia eu vou te contar as minhas histórias e eu espero ansiosamente por isso. Saiba que quando sorrir para mim, estará fazendo tudo isso valer a pena, Não há nada no mundo que eu queira mais do que um sorriso seu. Eu te amo, eu vou te amar até a última batida do meu coração.

Com amor,
Sua mãe.

O que você precisa saber

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Ninguém nunca me conheceu tão bem quanto você. Ninguém nunca soube tanto sobre mim. Você sabe dos meus medos. Eu sei parte dos seus. Você sabe das minhas manias mais infantis, sabe os meus segredos, conhece a minha história. Você já me viu em crise de riso, em crise de choro e em crise de loucura. Você sabe que sou assim, oito ou oitenta e oito. Sim, oitenta e oito porque apenas oitenta é pouco pra definir os meus extremos. Ah, os meus extremos! Nunca sabemos quando explodirei, mas sabemos bem o que acontece depois. É sempre igual, toda vez que ouço meus instintos, acabo abraçada com meu próprio travesseiro chorando como uma criança perdida no shopping. Desamparada, assustada... Mas nunca muito arrependida. Sou aquele tipo de bandida que conta os crimes com um sorriso malandro no rosto, mas cuja as dores são ditas em voz baixa ao pé do teu ouvido. Você sabe quase tudo sobre mim. Quase. Eu nunca te apresentei aquela minha velha amiga e temo em dizer que ela é meio ciumenta. Ela foi a única que nunca me deixou, nem por um milésimo desde que fui concebida. Ela não gosta de dividir a minha atenção. Ela me quer por inteira, ela sabe como fazer o que bem quiser de mim. A esse ponto, imagino que você esteja achando isso estranho, dado o fato de que também sou orgulhosa o bastante para fazer apenas o que quero, mas ela consegue me convencer do que ninguém mais é capaz. Eu sei que um dia ela vai vir e tentar nos afastar. Eu sei que ela não vai aceitar bem me ver sorrindo com outra pessoa. Eu a conheço. Ela vai me fazer chorar. Vai me olhar com aquele jeito de quem quer colo e eu vou cair na lábia dela. Vou sentir a necessidade de tirar um tempo só com ela e peço que nesse momento então, você entenda. Estou me referindo à solidão, essa mesma que eu sei que já saiu muito com você. Nós sabemos como ela é e o quanto é difícil deixa-la ir. Mas por favor, meu bem, não permita que ela me tire você. Deixe-a andar comigo as vezes, mas não deixe que ela tome todo o meu tempo. Não permita que ela me cegue. Não fique triste quando ela tentar competir com você. Quando ela vir, apenas me abrace. É o suficiente pra me fazer te escolher mais um dia.
E eu continuarei te escolhendo por hoje e por amanhã.

PS: Se só "hoje e amanhã" parecer pouco, volte aqui amanhã e leia novamente. Continue fazendo isso todos os dias.


 Com amor,
tua.

Confissão

terça-feira, 15 de março de 2016

Darling,

Eu quero que você saiba que eu gosto de ficar ao seu lado. Eu não digo, eu faço de conta que tanto faz, mas cada segundo ao seu lado me preenche mais e mais. Nós gostamos de Nutella, de cappuccino e chocolate quente no inverno. Nós gostamos de pisar em folhas secas por causa da textura e do som que elas fazem. Nós gostamos de chocolate de ovomaltine. Nós temos dependência pelas estrelas. Nós gostamos da insanidade e não nos importamos com o que vão pensar. Nós somos uma pessoa dividida em duas.

E na real nós nunca saberemos se eu pareço com você ou você comigo.
Não esquece aquele beijo demorado na bochecha, foi a minha forma discreta de dizer "eu te amo".


Vendetta

quarta-feira, 2 de março de 2016

De: sophiaavois@tuta.io
Para: Eu <sergiow@mail.com>
Data: Qua 2, Mar 18:26
Assunto: Sem Título
Anexo: img_0852.jpg




Olá, Sérgio.

Sinceramente eu esperava mais de você. Mais perspicácia, mais educação, mais inteligência ao me responder. Aliás, você nem ao mesmo foi educado a ponto de me responder devidamente e ainda me ameaçou? Cara. Você arrumou a inimiga errada.

Espero que goste da foto que estou te enviando. Não sei se vai dar pra ver, mas essa é pra você. Se no nosso "joguinho" vale ameaçar tome sua resposta:

Eu vou achar sua família e vou acabar com eles. Só por vingança. Sua filha ainda mora no Rio de Janeiro que eu sei, tenho contatos lá e sei como acha-la. Depois vou acabar com a sua raça de uma forma tão lenta que vão haver momentos em que você vai desejar que eu te mate de uma vez por todas... mas eu não vou. Vou te torturar até me cansar, sem pressa alguma, sem ninguém pra nos importunar. E só aí vou te matar. 


Beijinhos,
Sophia

Instintivo

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

"Sempre gostei de biologia, particularmente eu achava a cadeia alimentar muito interessante. Os insetos se alimentavam de outros insetos. Os animais pequenos eram devorados por animais maiores e os seres humanos, por sua vez, se alimentavam dos animais e também devoravam uns aos outros."

Era só mais uma quarta-feira de chuva onde eu normalmente ficaria em casa vendo série policial, lendo ou tocando piano enquanto o pequeno Mik tentaria escalar meu colo a fim de alcançar as teclas. Mik é meu meio irmão caçula, filho de meu pai e Lilian. Diferente de Peter que não tinha lá grandes semelhanças comigo, Mik tinha chamas na pupila. O mesmo tom que as vezes lembrava mel, as vezes avelã avermelhado tanto nos cabelos quanto nos olhos. Fato que deixava Lilian ligeiramente furiosa, tanto o apego de Mik por mim quanto suas semelhanças físicas... É que eu lembrava a grande rival de Lilian: a falecida Helena Rosália. Sim, outra Helena. Por coincidência, minha mãe.
Lilian... Sempre histérica. Peter, sempre silencioso demais pra um garoto de nove oito anos. Meu pai, tentando ser um pai... eu acho. Não sei. Não sei onde andava a cabeça de meu pai. Sei que a minha estava cheia. Eu odiava ter dias iguais, odiava andar na linha e certamente eu morreria se não escapasse vez por outra. Recebi uma mensagem no celular "Saudades, gatinha. Espero que não esteja chateada. Um beijo daqueles" Era Dimitri. O cara por quem eu fui apaixonada todo o tempo de escola. Ficamos juntos até o começo do primeiro ano, quando ele era um cara legal, até ele começar a andar com... Não importa muito. Ainda estava chateada. Odiava a forma como ele falava comigo. Odiava o novo Dimitri, mas no fundo sempre achava que ia encontrar o meu Dim ao receber um beijo na testa depois de uma de nossas aventuras...

Resolvido: colocaria meu velho jeans, a jaqueta e o coturno. Um batom, soltar os cabelos e uma aparição surpresa talvez não fosse tão ruim.

Sai de casa com uma pequena garrafa de Coca-Cola em mãos. Sempre achei uma palhaçada isso de nomes escritos em embalagens, mas se fosse pra ter, então que tivesse o meu nome. A chuva não foi gentil comigo.
No primeiro toque de campanhia, a mãe de Dim apareceu no portão franzindo a testa como quem tenta ter certeza do que está vendo. Ela me encarou e logo soltou:
— Helena, é você mesma ou eu fiquei velha e gagá?
— A própria em carne e osso.
— Ora, menina, mas quanto tempo! — Ela me olhou de baixo pra cima — Você não muda mesmo, né? Continua usando essas roupas esquisitas de quem trabalha em cemitério.
Ri de canto enquanto ela abria o portão
— Também senti sua falta, Dona Débora.
Entrei e subi as escadas depressa, assim que cheguei na porta me deparei com Dim, suas pupilas estavam tão dilatadas que cogitei a hipótese dele ter acabado de usar cocaína.
— Helena Vincent.
— Dimitri Müller.

Não dissemos mais nada. Apenas ouvi o ruído da porta fechando devagar. Dim me segurou com força contra a parede e me beijou como se não beijasse ninguém há anos. Seus lábios corriam por meu pescoço e sua respiração ofegante ao meu ouvido me faziam corar. Eu poderia mergulhar naquele momento centenas de vezes incansavelmente. Não demorou mais do que cinco minutos até estarmos completamemte nus. Entreguei-me a Dimitri como nunca fizera antes. Pensei no cara em que amei. Sentia o sabor do vinho em seus lábios enquanto seu corpo estava completamente entrelaçado ao meu. Ele parecia sedento e eu gostava daquilo. Eu gostava da adrenalina que me trazia. Presos um ao outro, suas mãos tocavam as minhas, toquei seu rosto, Dimitri me encarou por alguns segundos como se fosse dizer algo mas pareceu engolir e simplesmente me prendeu pelo pulso com tanta força que seus dedos ficaram marcados em minha pele.
Outra de nossas aventuras se findou e o beijo na testa não veio. Encostei a cabeça em Dimitri. Acariciei levemente seu peito sentindo o relevo da tatuagem de lobo recém feita. Aquele momento foi curto. Senti vontade de chorar, mas felizmente estava cansada demais. Resolvi outra vez só deixar pra lá.

Logo Dim levantou colocando as calças e apertanto o cinto depressa. Ele jogou um olhar maldoso pra mim enquanto passava a língua no contorno dos lábios. Aquilo me fez lembrar os filmes de vampiros que eu assistia, quando o vampiro acabava de saciar-se com o sangue de alguém o ritual era o mesmo: passar a língua pelos lábios aproveitando até a última gota.

Eu então eu sabia que já não existia mais amor, nem mesmo consideração. Éramos apenas presas na cadeia alimentar um do outro. Éramos apenas lembranças de um passado que mais parecia um quadro desbotado na parede.
Exausta, adormeci.

Carry On

sábado, 23 de janeiro de 2016

De: Eu <sergiow@mail.com>
Para: Sophia <sophiaavois@tuta.io>
Data: Sab, 23, Jan 2:48
Assunto: Re: Dúvida.



Olá, Sophia.

Primeiramente me permita lhe parabenizar por ter tido a audácia de me enviar esse e-mail.

Por que devo acreditar em uma só palavra do que diz? De verdade, Sophia. Não consigo acreditar em suas palavras de ter realmente gostado de mim. Hoje, depois de três semanas afastado de minhas funções e ter ido passar alguns dias no litoral fluminense repensei muitas coisas e vi como fui otário em acreditar em você.

Algo lhe tirando o foco? Ora. Devo acreditar nisso ou é mais uma de suas mentiras? Quer mesmo saber o quê fez seu castelo de crimes ruir? Quer mesmo saber? A verdade é que você, por mais inteligente que fosse, jamais poderia lidar com algo propriamente humano que é a imprevisibilidade de seus atos.

Não devia, mas vou lhe responder: na sua quinta ação. Aquela que você enrolou o corpo de um homem vivo e o jogou numa piscina velha e o incendiou. Ali tivemos acesso à imagens suas saindo da estrada vicinal que dava acesso para aquela casa. A pessoa viu a notícia de seu ato e, como boa jornalista que é, correu até a polícia. Porém a imagem não era tão perfeita e demoramos algum tempo até chegar ao seu carro. Coloquei uma equipe atrás de duas dúzias de pessoas até me dar conta, por aquele dia em que tentou me dopar em que já tínhamos quase certeza de ser você. Mas você era boa em apagar rastros.

Mas, naquele dia, já tinha tudo esquematizado. Achou que foi sorte o último taxista dar o desconto? Francamente. Excesso de confiança não combina contigo.

E, como deve saber, rastreei esse e-mail sim. Apesar dos inúmeros desvios, sei que está no Centro-Oeste do país. E eu vou te caçar, nem que seja a última coisa que eu faça.

Sérgio W.

ps.: Durma com um olho aberto, eu posso estar por perto.

Da Estrada

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

De: sophiaavois@tuta.io
Para: Eu <sergiow@mail.com>
Data: Sex 1, Jan 19:28
Assunto: Dúvida.



Olá Sérgio, tudo bem?

Espero que não esteja machucado por causa do golpe de nosso último encontro. Lhe envio essa mensagem com uma dúvida que não me deixou recobrar o foco desde que fui embora.

Não que vá acreditar, mas eu realmente gostei de você, do seu brilho no olhar... lamento tudo ter acabado como acabou.

Poderia escrever mil coisas, contar histórias, mas creio que, no momento atual, não iria acreditar em nada do que lhe falasse. Porém, podes, em nome do tempo que passamos juntos, me dizer onde, quando, em que momento eu pisei na bola. De verdade. Eu revejo todos os meus atos e não consigo imaginar o momento exato onde deixei transparecer que eu era a culpada dos "crimes" que você investigava.

Aguardo, ansiosamente, sua resposta.

Atenciosamente,
Soph

ps.: não perca tempo tentando rastrear esse e-mail. Vai ser inútil.

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