O início do fim - parte I

sábado, 24 de setembro de 2016

Acordei em mais uma manhã de primavera com cara de outono. Abri os olhos e senti ao despertar uma inexplicável culpa. Era como se acordar mais um dia fosse um crime. Fechei os olhos novamente, as lágrimas aqueceram meus olhos de imediato, apertei as pálpebras e sem querer, molhei o travesseiro. Tentei engolir o choro e junto com o choro, tentei engolir aquele nó na garganta que há dias se fazia presente. Permaneci por mais alguns minutos imóvel na cama. Notei que ele não estava em casa ainda, logo em seguida vi a mensagem de que dele não apareceria tão cedo. Meu coração quase saltou do peito. Estar sozinha era tudo o que eu queria, em paralelo, também era tudo o que eu temia. O tempo passava em câmera lenta, como se tivesse sido colocado num conta-gotas daqueles que você precisa fazer um certo esforço pra pingar algo. Não demorou para que as velhas sombras viessem visitar. No começo eram sussurros, logo tornaram-se vozes imponentes decompondo o resto de razão e equilibrio que havia em mim. Peguei uma luva cirúrgica, usei como garrote, apertei bem usando a boca para puxar, minhas mãos estavam ocupadas procurando veias. Malditas veias, nunca aparecem quando preciso. Puxei o garrote improvisado com um pouco mais de força, senti um alívio doentio ao ver o sangue subir. Estava na veia, era só injetar lentamente e tudo começava a desaparecer. A visão ficou turva, os movimentos igualaram-se ao tempo. Eu também estava em câmera lenta. Não tive tempo de tirar a agulha do braço, ali mesmo sentada no chão com a seringa pendurada no braço, adormeci.