Todas as rosas

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Outra tarde qualquer, desci as escadas, as calçadas estavam desabitadas e com pequenas poças d'água causadas pela chuva da madrugada. Abri a caixa de correios, era ela. Carta dela. Notícias dela. Até mesmo o papel tinha seu cheiro, o qual eu lembrava nitidamente. Eu era capaz de visualizar as mãos pequenas correndo pelas letras... ah, a saudade cravou as unhas sem misericórdia. Corri de volta p'ro quarto, coloquei o CD favorito dela p'ra tocar. Deitei na cama, fechei os olhos. Ela estava ao meu lado. Seus lábios cantarolavam quase em silêncio nossas canções favoritas. Os lábios dela... Aqueles lábios, os meus lábios... Poderiam permanecer juntos por toda eternidade, com pequenas pausas para que, vez por outra, meus lábios marcassem presença pelo resto de seu corpo.
A cada acorde, uma lembrança. A cada lembrança, uma lágrima. E um sorriso. Assim mesmo, tudo junto, fora de ordem, insano, tal como costumávamos ser. Ela era minha e eu era dela e não haveria - nem em um milhão de anos - nada que mudaria isso. Tempo, espaço, circunstância ou distância eram nulos quando o assunto era o que seu sorriso me causava. Meu Deus. Por Deus. Por todos os deuses, que sorriso era aquele?

Como quem sopra vida sobre um corpo morto, ela soprava inspiração à alma borrada de poeta. Ao fim do disco, meu travesseiro estava molhado, meu peito apertava. O devaneio acabara. Por que esperar mais? Peguei a mesma mochila. O que levar? Dane-se a mochila. 
Coloquei a carteira no bolso, segui viagem. Levava comigo apenas uma das cópias das chaves que ela havia deixado comigo. Comprei rosas na rodoviária. Ao chegar, percebi que a casa estava vazia. Respirei fundo. Decidi entrar. Fui até seu quarto, as coisas não estavam no mesmo lugar, mas seu cheiro dizia inegavelmente que ela estivera ali há pouco. Espalhei as rosas, da entrada da casa até sua cama, onde deixei uma pequena carta escrita lá mesmo. Esperei por algumas horas na sala. Nada. Ninguém.

Roubei um pacote de biscoito no armário da cozinha, dei um sorriso idiota e chamei um táxi. Ela estava cruzando a rua quando entrei no carro, não me viu. Meu coração disparou, já era noite. Olhei para o céu, sua estrela sorriu me sorriu. Devolvi o sorriso. Era hora de ir. 

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